CHOQUE DE SUBSÍDIOS
Geoberto Espírito Santo
“O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes.” (Roberto Campos)
A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) foi criada pela Lei nº 10.438/2002, a
mesma que instituiu o PROINFA (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica) e de uns tempos para cá passou a ser vista com restrições porque vem
aumentando consideravelmente todos os anos. O alerta geral foi dado neste ano, quando a
ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) definiu essa conta no valor de R$ 32
bilhões, sendo que R$ 30,2 bilhões serão pagos diretamente pelo consumidor. Um aumento
de 34,2% quando comparamos com o orçamento de 2021, quando o encargo foi de R$ 23,9
bilhões e o consumidor arcando com R$ 19,6 bilhões. Em 2020, a CDE foi orçada em R$
21,9 bilhões Esse valor gera um impacto médio nas tarifas de 3,39%, sendo que para os
consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste representa 4,65% e para os consumidores das
regiões Norte e Nordeste é de 2,41%.
Em 2018, o Relatório de Políticas e Programas de Governo divulgado pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) já criticava a governança da CDE, sinalizando que não havia
definição de qual problema ou qual demanda social que cada subsídio pretendia resolver ou
reduzir. O TCU dizia naquela oportunidade que os subsídios eram incompatíveis com o
regime jurídico tarifário do setor, pois não havia um sistema de avaliação da eficácia desses
subsídios e a fiscalização da ANEEL sobre a concessão dos subsídios seria insuficiente.
Nesse Relatório do TCU existem duas recomendações: a) estruturar um modelo de
governança que permita o acompanhamento de todas as políticas que são subsidiadas pela
CDE; b) Avaliar os impactos advindos dessas alterações na CDE, tanto sob a ótica da
origem dos recursos quanto da aplicação dos montantes arrecadados.
Em dezembro de 2020, numa análise feita pelo Conselho de Monitoramento e
Avaliação de Políticas Públicas do Ministério da Economia (CMAP), foi avaliado que
existia um risco elevado de falta de transparência, de previsibilidade de despesas e de
estudos de impacto sobre os descontos concedidos, ainda porque não haviam metas a serem
atingidas e, consequentemente, resultados a serem alcançados. O CMAP avaliou que não
havia delineamento do problema social ou econômico para os descontos nas tarifas
aplicadas ao setor rural e recomendou que os subsídios para irrigantes abastecidos em alta
tensão fossem sendo extintos gradualmente, haja vista que 92,6% da população rural já
estavam eletrificadas. O CMAP observou que os preços das fontes incentivadas (eólica e
solar) já estavam no mesmo patamar das térmicas a gás ou das hidrelétricas e assim não
seriam necessários subsídios para as próximas outorgas. Vários agentes do mercado
também entendem que os subsídios para eólicas, solar, PCHs e térmicas à biomassa foram
criados na época em que essas fontes não eram economicamente viáveis, mas que hoje não
têm mais sentido, haja vista a relevância que apresentam nos leilões e no mercado de
energia.
Na CDE de 2022 podemos observar que, para a CCC (Conta de Consumo de
Combustíveis), que é a rubrica para subsidiar os custos anuais com geração térmica em
sistemas isolados, estão destinados R$ 11,96 bilhões. Certamente que a explicação é o
aumento no preço do diesel e do gás natural, que são os combustíveis que abastecem as
usinas térmicas na Amazônia. A retirada desse subsídio é pouco animadora, haja vista que a
interligação de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN) ainda segue sem definição,
com o impedimento da passagem da linha de transmissão por terras indígenas.
Os subsídios para o Mercado Livre e para a GD (geração distribuída) são de 11,05
bilhões, através dos descontos na TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) e da
TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição), respectivamente de R$ 1,75 bilhões e de
R$ 9,3 bilhões. Esse subsídio na TUSD para a geração distribuída (basicamente para os
painéis solares fotovoltaicos), para quem estiver ligado até 5 de janeiro de 2023, foi
prorrogado para 2045 e, somente a partir de 2025, começará uma sistemática redução da
“corrida do ouro” até 2029, quando passará o uso do fio da distribuidora também a ser pago
integralmente por quem vier a se conectar ao sistema.
O subsídio para a tarifa social passou de R$ 3,6 bilhões no ano passado para R$ 5,4
bilhões, já que houve uma inclusão sistemática dos habilitados no Cadastro Único do
Governo Federal ou aqueles contemplados com o Benefício de Prestação Continuada da
Assistência Social.
O “guarda-chuva” da CDE também abriga outros subsídios, como é o caso do carvão
mineral, do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia) e do
Programa de Universalização de Energia e de Eletrificação Rural.
Neste ano eleitoral, o alerta para o custo alto das tarifas de energia elétrica,
juntamente com os combustíveis e o gás de cozinha, finalmente chegou no Congresso
Nacional, pois é de lá que são aprovadas as leis que determinam como a ANEEL (Agência
Nacional de Energia Elétrica) deve agir para calcular quanto o consumidor vai pagar pelo
seu uso. Além dos subsídios, incidem na conta de luz o PIS/COFINS pelo lado federal, o
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pelo lado estadual e ainda tem
a COSIP (Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública) na esfera
municipal.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já havia decidido pela inconstitucionalidade da
incidência do ICMS sobre o PIS/COFINS, pois é um imposto cobrado sobre impostos.
Retrocedendo cinco anos foi calculado que os consumidores pagaram R$ 60 bilhões a mais,
sendo que R$ 12 bilhões já foram utilizados pela ANEEL para a redução nas tarifas,
faltando ainda R$ 48 bilhões que devem servir para a mesma finalidade.
O STF também considerou que combustíveis, gás natural, energia elétrica,
comunicações e transporte coletivo são bens e serviços essenciais e indispensáveis, cuja
incidência da alíquota do ICMS não pode ser superior a 17%. Não podendo ser tratados
como supérfluos, o Congresso Nacional votou e o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei
Complementar nº 194. Assim, foram alteradas, a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966
(Código Tributário Nacional) e a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei
Kandir). Foram também alteradas as Leis Complementares nº 192, de 11 de março de 2022
e a de nº 159, de 19 de maio de 2017.
Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o PL 414/2021, considerado o da
modernização do setor, e a maioria dos agentes querem pressa na sua aprovação porque
define um cronograma de abertura do mercado. Todos os consumidores de alta tensão
estariam livres em 2026 e os de baixa tensão em 2030. Entretanto, existem várias questões
que devem ser exaustivamente discutidas, dentre elas os subsídios, para que a modernização
não venha beneficiar uma minoria causando prejuízo à maioria dos consumidores,
especialmente aqueles do mercado regulado, ou seja, cativo das distribuidoras. Os subsídios
ainda necessários, devem ser concedidos como políticas públicas e, consequentemente,
custeados por recursos da União, via impostos, e não pelo consumidor de energia elétrica,
via tarifas.
Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços