TRANSIÇÃO E SEGURANÇA ENERGÉTICA

Geoberto Espírito Santo

A tese do aquecimento global e uso de energias renováveis foi a política encontrada para o desenvolvimento econômico mundial após a queda do Muro de Berlim, que até então tinha como mola mestra a corrida espacial e armamentista decorrente do conflito Leste-Oeste. O sistema energético para uma economia de baixo carbono era baseado em eólicas, solares e armazenamento dessas duas fontes, razão pela qual foram logo “detonadas” as hidrelétricas e as usinas nucleares. Considerando que o fator de capacidade de eólicas e solares não assegura geração de energia ininterrupta, esse foco deixou de considerar que as hidrelétricas funcionam como armazenamento, são flexíveis, podem dar sustentação na base dos sistemas elétricos, embora também
dependem do clima. As nucleares são inflexíveis, mas trabalham na base e, do ponto de vista da emissão de CO2, são as que menos emitem. Com a crise do socialismo, certamente que o sistema de poder mundial considerado pelo filósofo americano Francis Fukuyama em seu livro “O Fim da História e o Último Homem” teve efetiva participação na definição dessa estratégia, pois renováveis são fontes descentralizadas, indutoras da democracia e do capitalismo. Os combustíveis fósseis são concentrados, quase sempre produzidos em países socialistas e regimes fechados. Os grandes armazenamentos de energia, até agora, não se mostraram economicamente viáveis e as hidrelétricas e nucleares passarem a ser consideradas energias verdes. A capacidade total de energia renovável instalada até 2022 foi de 3,3 TW (1 terawatt = 1000 gigawatts), sendo 1,25 TW de hidrelétricas. A capacidade de solar e eólica contribuiu com 90% da capacidade adicionada em 2022, mas em torno de 2,5% da matriz energética mundial. Se adicionarmos a hidráulica, nuclear, biomassa e geotérmica, as renováveis chegam a 20%, sendo os 80% restantes de responsabilidade do
carvão, petróleo e gás natural.

A Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, sigla em inglês)
publicou o Estatísticas de Capacidade Renovável 2023 mostrando que em 2022 foram
adicionados 295 GW (1 gigawatt = 1 milhão de kilowatts) de capacidade renovável, que
representa um crescimento de 9,6% em relação a 2021. Esse crescimento está
concentrado em alguns países e regiões, como a Ásia, Europa e EUA. Quase metade
dessas adições de potência registradas em 2022 ocorreram na China, quando foram
adicionados 141 GW, vindo em seguida a Europa com 57,3 GW e em terceiro lugar os
EUA com 29,1 GW.
A América do Sul manteve sua tendência ascendente, quando foram instalados
18,2 GW. A Oceania continuou crescendo com uma expansão de 5,2 GW e na África o
adicional foi de 2,7 GW, mostrando crescimento constante e ligeiramente acima da
expansão de 2021. O Oriente Médio registrou o seu maior aumento na expansão de
renováveis, quando foram instalados 3,2 GW de capacidade, um significativo aumento de
12,8% em relação a 2021.
Em seu último relatório síntese, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC, sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU) fez

referência ao Sexto Ciclo de Avaliação quando registrou que, em 2021, as concentrações
de CO2 atingiram 415,7 ppm (partes por milhão), metano em 1.908 ppm e óxido nitroso
em 334,5 ppm, o que respectivamente representam 149%, 202% e 124% dos níveis pré-
industriais. Apesar de todos os esforços, as emissões de gases de efeito estufa continuam
aumentando e em 2022 chegaram a 37,5 bilhões de toneladas de CO2, e assim
permanecerão até 2025.
A guerra da Rússia, com o corte do gás natural para uma Europa dependente de
40% desse combustível, mostrou que não vai existir segurança climática sem segurança
energética. Esse gás foi substituído pelo GNL (Gás Natural Liquefeito), carvão e
reativação de nucleares e essa perda de mercado do gás pela Rússia deverá ser
parcialmente compensada pelo Oriente Médio. Assim, milhões de carros elétricos, ditos
verdes, na Ásia e na Europa, continuam sendo abastecidos com energia do carvão.
Levantamento feito pela consultoria BloombergNEF (BNEF) mostrou em 2022 os
investimentos em renováveis iguais aos da indústria de combustíveis fósseis, com US$
1,1 trilhão para cada um.
Em painel promovido pela ONU, cientistas disseram que as emissões de gases de
efeito estufa (GEE) precisam cair imediatamente e as soluções estão à mão. Logo após, a
Shell publicou dois novos cenários para questionar como rapidamente a indústria de
energia vai conseguir se descarbonizar. Mesmo considerando que os combustíveis fósseis
vão perder uma considerável fatia do mercado para as chamadas energias renováveis e
para as nucleares, a análise que foi feita pela petroleira trazem duas conclusões
desconcertantes em relação aos demais relatórios sobre energia e clima: a) “Não há um
caminho realista para uma queda instantânea e acentuada nas emissões”; b) É
altamente provável que o aumento médio da temperatura ultrapasse 1,5°C”.
A segurança climática é perseguida no longo prazo, mas a segurança energética
produz impactos imediatos na vida da população. Portanto, estamos precisando de
segurança na transição e as três grandes estratégias para enfrentar o aquecimento global
são as eólicas offshore, o hidrogênio verde e a captura e armazenamento do CO2. As
eólicas offshore é o casamento perfeito entre quem sabe gerar energia dos ventos com
quem tem expertise em estruturas no mar. As petroleiras vêm procurando se converter em
empresas de energia, investindo em eletrificação, biometano, plataformas de renováveis e
hidrogênio verde. Só se fala no hidrogênio verde, mas na sua coloração tem também
cinza, azul e turquesa. A captura do carbono, pode ser feita nos combustíveis fósseis,
agricultura e florestas. É a que parece mais complicada porque dos 15 projetos em escala
mundial, 90% deles falharam e sua precificação poderá ser altamente danosa para os
países mais pobres. Tudo isso continuará a ser alvo de litígios climáticos e políticos.
(Valor Econômico, 15/05/2023)

Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia

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