Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços

O setor elétrico atual não é mais aquele do GTD (Geração, Transmissão, Distribuição),
totalmente concebido, planejado, regulado e tarifado pelo governo. Certamente que foi
vitorioso para aquele cenário, mas sem sentido ficar fazendo comparações com o atual
porque o sucesso do passado não garante o sucesso do futuro. Quando a União perdeu a
sua capacidade de investimento para manter a expansão e abriu o setor para a iniciativa
privada, passaram a existir uma diversidade mercadológica com contratos a serem
cumpridos e, caso contrário, poderão recorrer ao Judiciário certamente mostrando o que é
pior para o investidor: a perda de credibilidade e a insegurança jurídica.
Estamos agora num outro cenário com o mercado regulado, mercado livre,
autoprodutor, geração distribuída, fontes renováveis, garantia física, leilões de capacidade e
de disponibilidade, contratos legados, preço de liquidação de diferenças, empresas
comercializadoras, preço horário, resposta da demanda, comercializadores varejistas,
agregadores de demanda, consultores de energia, separação entre lastro e energia, tarifa
locacional, portabilidade elétrica, smart grids, veículos elétricos, supridor de última
instância, operação descentralizada, serviços ancilares distribuídos, geração offshore,
eficiência energética, armazenamento, segurança energética, modernização de uma forma
geral.
Nos termos da Constituição de 1988, é de competência da União legislar sobre as
instalações e serviços de energia elétrica e isso é feito através de pessoas. Essa nova
dinâmica vai exigir do novo governo e dos novos/antigos integrantes do Congresso Nacional
a superação de grandes desafios, visão prospectiva e bom senso para poder melhor analisar
e decidir o que cabe a cada um dos entes envolvidos na legislação, regulação de mercado e
execução de qualidade que venham a permitir o desenvolvimento do setor de forma
sustentável e sustentada.
O coordenador executivo do grupo de trabalho de Minas e Energia da equipe de
transição de governo disse que o atual governo federal está deixando uma conta de
aproximadamente R$ 500 bilhões para os consumidores pagarem nos próximos anos: Conta
Covid – empréstimo bancário para fazer face aos compromissos das distribuidoras de
energia elétrica = R$ 23 bilhões; Conta Escassez Hídrica – empréstimo bancário para
pagamento adicional de uso das térmicas = R$ 6,5 bilhões; Contratação emergencial de
térmicas – através de um Procedimento Competitivo Simplificado (PCS) foram contratadas
térmicas para suprir um possível déficit de energia durante a crise hídrica = R$ 39 bilhões;
Térmicas a gás na Lei de Privatização da Eletrobras – foi colocado um dispositivo que obriga
a contratação de termelétricas inflexíveis em lugares distantes do mercado, onde também
não existe gás natural = R$ 368 bilhões; Reserva de mercado para PCHs – também na Lei de
Privatização da Eletrobrás está a obrigação de contratação de PCHs, considerada uma
reserva de mercado = R$ 55 bilhões. A avaliação ainda se queixa sobre a perda de quase
todo o pessoal da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pelo planejamento
energético do país.
Ao participar de um evento ao final de 2022, o então ministro de Minas e Energia,
Adolfo Sachsida, disse, em tom de despedida, que o setor elétrico brasileiro é um grande
“puxadinho”, fazendo alusões às várias judicializações por conta das disputas por
manutenção ou retirada de subsídios. “Toda semana eu cumpro agenda do STF, no STJ ou
no Tribunal Regional. As causas são de um bilhão, dois bilhões, cinco bilhões, oito bilhões.
Não dá para as coisas serem assim. Não dá para brigar e toda hora ir ao Congresso pedir um
puxadinho”. Continuando sua fala, completou: “É o puxadinho da eólica, da solar, da PCH,
dos grandes, dos autoprodutores, das distribuidoras, é o puxadinho do A, o puxadinho do B.
Vai quebrar todo mundo daqui a dez anos e isso me preocupa. Com esse grande movimento
da transição energética que está acontecendo no mundo, a guerra na Ucrânia, a
insegurança do Leste Asiático e do Leste Europeu, tem uma montanha de investimento
procurando um lugar e esse lugar é o Brasil”.
É claro que são citações isoladas, típicas das mudanças de governo, que realmente
são problemas, mas não representam o todo do setor, que é ainda mais complicado.
Considerando que é muito vago o plano de governo exposto pela chapa eleita durante a
campanha presidencial, redações que dizem tudo mas não dizem nada, é necessário que
seja feito um amplo debate para as ações que deverão ser implementadas no que se refere
a: i) o compromisso com a sustentabilidade social, ambiental, econômica e com o
enfrentamento das mudanças climáticas que passará pela mudança do padrão de produção
e consumo de energia no país para combater a crise climática; (ii) a defesa da soberania e
da segurança energética do país, com ampliação da oferta de energia, aprofundamento e
diversificação da matriz, com expansão das fontes limpas e renováveis a preços compatíveis
com a realidade brasileira. É de vital importância a definição dos novos nomes que vão
compor o Ministério de Minas e Energia (MME), valendo destacar que vários diretores da
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) iniciaram recentemente seus mandatos e
assim, o órgão não deverá ser diretamente impactado com a mudança do governo.
A modernização do setor elétrico, com o mercado livre até para os consumidores
residenciais de baixa tensão, precisa de políticas que venham a assegurar a expansão com
fontes renováveis, sendo a maioria intermitentes, mas que possam garantir o suprimento e
a segurança energética sem impactar a modicidade tarifária. Essa “portabilidade elétrica”
vai demandar novas formas de leilões e de contratações de capacidade de forma que venha
a separar o que é potência e o que é energia, requerendo otimizar os recursos na alocação
de riscos e custos entre os agentes de interesse e os consumidores.
Sendo o Brasil um país de dimensões continentais em que as melhores oportunidades
de geração poderão estar distantes dos maiores mercados, será de extrema relevância a
capacidade de transporte do setor de transmissão e quem vai pagar a conta desses vultosos
investimentos. É bem provável que as diretrizes para a modernização do setor constantes
no PL 414/2021 venham a ser votadas nesse 1º semestre de 2023, mas precisa ser melhor
discutido e concluído com equilíbrio e buscando a restrição de subsídios desnecessários.
Sendo o setor elétrico de relevância inconteste para o desenvolvimento econômico e
social do país, ainda mais agora que o mundo tende a um processo de eletrificação na pauta
da transição energética, que, para ser justa, precisa ser tratada como prioridade pelos
governantes, com transparência nos debates que devem sempre anteceder à tomada de
decisões. Essa é a forma de ampliar a previsibilidade, a estabilidade regulatória e a
segurança jurídica, tão necessárias para a atração dos investimentos que deverão ser de
grande monta.