Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria
“A verdade pura e simples raramente é pura e nunca é simples.” (Oscar Wilde)
Em 1978, uma crise de energia elétrica no Nordeste por chuvas insuficientes para
recompor os reservatórios das hidrelétricas da região e pela inexistência de linhas de
transmissão para a transferência de outros subsistemas. Em 2001, um racionamento pela
falta de potência na hora da ponta para sustentar o consumo. Em 2021, a pior seca dos
últimos 91 anos, outra crise hídrica num mesmo intervalo de tempo ameaça o
suprimento de eletricidade. Se a crise hídrica é a única responsável por, ou se reduz
consumo ou corta carga, é outra história.
Nassim Nicholas Taleb em seu livro “A Lógica do Cisne Negro”, diz que um
Cisne Negro é um evento com um ponto fora da curva, imprevisível, produz um enorme
impacto e, apesar de seu status, a natureza humana nos faz engendrar explicações para
depois que ocorre, tornando-o explicável e previsível. Na descoberta da Austrália foi
visto um cisne negro, quando se pensava que todos os cisnes eram brancos, uma crença
calcada apenas por evidências empíricas. Ele também considera que um evento
altamente esperado e que não ocorre, é também um Cisne Negro, e pede uma nossa
observação por simetria porque a ocorrência de um evento altamente improvável é o
equivalente à não ocorrência de um altamente provável.
O sistema elétrico brasileiro é planejado para um risco de déficit de 5% ao ano,
ou seja, um risco de racionamento a cada 20 anos. Se fosse de 3%, certamente teríamos
mais obras, mais investimentos, tarifas mais altas. Definir o risco de déficit em 5%, 3%
ou 1%, isso sim, seria uma decisão do Parlamento. É óbvio que a competência
legislativa deve parar por aí, não pode querer colocar em lei qual deve ser o percentual
de hidrelétrica, eólica, solar, biomassa, gás natural, nuclear e outras fontes que podem
fazer parte da matriz elétrica brasileira.
Recentemente, o Congresso Nacional atuou como planejador do sistema elétrico
quando determinou que nos próximos dez anos sejam instalados 8 GW de térmicas à
gás natural e 2,5 GW de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), definindo as regiões e
os estados que vão receber esses empreendimentos, que poderão estar totalmente
desconexos com a demanda futura. O que se vê hoje é o Congresso querendo colocar
em lei regras atuais do mercado, que a cada dia mudam com uma velocidade
incompatível com a dinâmica interna do Parlamento, razão pela qual deve legislar
aprovando leis dizendo apenas o que não pode ser feito, cabendo a ANEEL a regulação
do mercado.
Na Guerra Fria, o motor da economia mundial era a corrida armamentista.
Depois da queda do Muro de Berlim passou a ser o aquecimento global e a produção de
energia elétrica através de fontes renováveis. O modelo desenhado pelo “capitalismo
verde” é baseado nas renováveis eólica e solar, no armazenamento de energia e no
“financiamento verde”, bastando observar quem são os detentores dessas tecnologias e
os acionistas das minas de nióbio, lítio e das baterias de fluxo. Como estratégia, eólica e
solar para substituir os combustíveis fósseis na geração e “matar as hidrelétricas com
reservatório e as nucleares” substituindo esse lastro com baterias para possibilitar o
fornecimento de energia elétrica no modelo 24 x 7. A gente se concentra muito no
normal, que quase sempre é irrelevante, mas nos dá a sensação de que a incerteza está
dominada.
Há mais de 10 anos se registra a progressiva redução do regime de chuvas, mas
se tivéssemos mais reservatórios, não só para produzir energia, como também para os
múltiplos usos da água, certamente agora os níveis de armazenamento seriam bem
maiores. Com a dificuldade de implementação de grandes acumuladores, a Agência
Internacional de Energia (AIE) vem agora reconhecer a importância das hidrelétricas e
os ambientalistas mais radicais já consideram a nuclear como a usina que menos emite
CO2.
Para o desenvolvimento das fontes eólica e solar, vieram umas meias-verdades,
divulgadas como “energia limpa”, uma coisa que não existe. Se formos considerar todo
o processo da conservação de energia, desde a obtenção da matéria-prima na natureza,
transporte, transformação industrial e descarte, vemos que é limpa só na operação. A
logística reversa daqui a pouco passa a ser um problema ambiental porque, no caso da
solar, os inversores estão chegando perto dos 10 anos de sua vida útil e depois de 25
anos vai ser o caso dos painéis. Na realidade é uma energia “menos suja”.
Outra meia verdade é a apresentação do preço baixo das renováveis nos leilões.
Esse preço é colocado abaixo do real para viabilizar a obra e a conexão, mas do projeto
é vendido entre 30% e 34% da sua garantia física para o mercado regulado e o restante
vai para um mercado livre de 36% do total, comercializado com preço mais alto,
utilizando os subsídios e o consumidor do mercado regulado arcando com o custo do
abastecimento das 16 horas restantes. Se não podemos confiar mais na “bateria hídrica”,
até mesmo pelas incertezas climáticas, nem contar com os acumuladores de energia
renovável, pela inviabilidade econômica do momento, temos que ter base térmica com
gás natural que é o combustível mais viável para a transição energética rumo a uma
economia de baixo carbono. Isso não foi feito e a aposta em São Pedro não deu certo.
A comparação de uma fonte intermitente com Itaipu, feita através da potência
instalada, também deixa a verdade pela metade, quando na realidade se deveria
comparar com a energia gerada, pois os fatores de capacidade têm uma diferença de
quase um terço.
A matriz elétrica brasileira já é composta por 83% de fontes renováveis. Nosso
problema de emissões de carbono está no setor de transportes e agora só se fala em
hidrogênio “verde”. Nossa desestruturação no GSF (Garantia Física do Sistema), PLD
(Preço de Liquidação de Diferenças), MRE (Mecanismo de Realocação de Energia),
CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e nas tarifas, requer uma modernização
do modelo made in Brazil que leve em conta todas as tecnologias e atributos das fontes
disponíveis. Mas para ser realmente livre e competitivo, deve ter os subsídios
considerados necessários bancados pelo contribuinte e não pelo consumidor de energia
elétrica. (17/08/2021)