Geoberto Espírito Santo – GES Consultoria, Engenharia e Serviços
Na Lei nº 14.182/2021, que dispõe sobre a desestatização da Eletrobras, o Congresso Nacional atuou como planejador do sistema elétricoquando determinou que nos próximos dez anos sejam instalados 8 GW de térmicas à gás natural e 2,5 GW de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), já definindo as regiões e os estados que vão receber esses empreendimentos, que poderão estar totalmente desconexos com a demanda futura.
O sistema elétrico brasileiro é planejado para um risco de déficit de 5% ao ano, ou seja, o risco de um racionamento a cada 20 anos.Se ele fosse planejado para um risco de 3%, certamente teríamos mais obras, mais investimentos, tarifas mais altas. Planejar com um risco de déficit de 5%, de 3% ou 1%, isso sim, seria uma decisão do Parlamento, e não técnica. É óbvio que a competência legislativa deve parar por aí, não pode querer colocar em lei qual deve ser o percentual de hidrelétrica, eólica, solar, biomassa, gás natural, nuclear e outras fontes energéticas que podem fazer parte da matriz elétrica brasileira. Tudo isso tem que ser definido tecnicamente, após estudos demográficos, cenários do desenvolvimento econômico, fontes e tecnologias disponíveis, implicações ambientais, geopolítica, compromissos internacionais, elasticidade energia/economia, eficiência energética projetada, preços e evolução cambial, dentre outras.Mas o que se vê hoje é o Congresso querendo colocar em lei regras atuais do mercado, que a cada dia mudam com maior velocidade e o que é ainda pior, introduzindo “jabutis” que não tem nada a ver com o assunto objetivo.
Regras do mercado devem ser definidas pelas Agências Reguladoras, órgãos de Estado, e não de Governo, mais ágeis que o Parlamento no processo regulatório e administradoras dos conflitos entre empresas estatais e privadas. Em 1978 tivemos uma crise de abastecimento de energia elétrica no Nordeste pela falta das chuvas que não conseguiram recompor os reservatórios da região e pela inexistência de linhas de transmissão para a transferência de energia de outros subsistemas. Em 2001 tivemos falta de potência elétrica na hora da ponta para sustentar o consumo e houve um racionamento. Agora, em 2021, uma crise hídrica que, outra vez, num mesmo intervalo de tempo, ameaça o suprimento de eletricidade.A clareza da existência do risco é diferente da certeza que não ocorrerá. Se a crise hídrica é a única responsável pela situação atual de, ou se reduz o consumo ou corta a carga, é outra história.
Fazendo uma observação entre a crise de energia elétrica de 2001 e a de 2021, podemos fazer algumas comparações. Atualmente, nosso grande problema são os níveis dos reservatórios da Região Sudeste/Centro-Oeste, cerca de 70% do nosso armazenamento, estão com volumes muito baixos. Os reservatórios do Norte, Nordeste e Sul estão baixos, mas ainda numa situação de capacidade de geração relativamente suportáveis. Em 2001, ano do racionamento, o nível dos reservatórios do Sudeste estava em 23%. De setembro de 2020 a junho de 2021, a ENA (Energia Natural Afluente) ficou 33% menor que a média histórica de 91 anos de medição. Atualmente, se o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) conseguir cumprir o planejado, os reservatórios do Sudeste vão chegar em novembro em torno de 10% da sua capacidade de armazenamento e as hidrelétricas terão muita dificuldade em operar. Mesmo assim, não se acredita na decretação de um racionamento, haja vista ter um custo político muito grande, ainda mais no ano das eleições presidenciais. É bom lembrar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguiu fazer de José Serra o seu sucessor e um dos motes da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi o racionamento de energia elétrica, apesar de ter sido muito bem administradosob o comando de Pedro Parente.
A situação atual é bem diferente daquela de 2001, porque agora o sistema elétrico brasileiro é mais resiliente, tem uma estrutura mais robusta e as térmicas que foram contratadas de última hora naquele ano ainda estão no seu período de concessão, que vão até 2024-2025. Quando houve a redução do consumo em 2001, o percentual foi de 20% e, caso ocorra agora, deve variar entre 3% e 4%. Basta lembrar que naquela época ainda se usava lâmpadas incandescentes e que as de LED atuais não deixam grande margem para economizar nesse segmento do consumo se fossem substituídas. De 2001 até 2021, houve um aumento da capacidade de geração de 133% e um reforço nas linhas de transmissão, possibilitando mais transferência de energia entre os submercados. Na rota Sul – Sudeste, o aumento foi de 61%. Passou a existir a interligação entre o Norte e o Nordeste, com o Sudeste, que está atualmente com 14 vezes mais capacidade do que em 2001, inclusive para transportar a energia gerada por obras estruturantes como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, utilizando o mecanismo do MRE (Movimento de Realocação de Energia).
É bem verdade que houve uma diminuição da participação das usinas hidrelétricas e aumento de outras fontes, compondo uma matriz elétrica mais diversificada com a implantação de usinas eólicas, solares e de biomassa sazonal. As fontes eólica e solar são intermitentes, só funcionam 8 horas por dia, o suprimento de 24 horas precisa de uma “bateria” e a aposta em São Pedro não deu certo. A atual escassez de chuvas mostrou que foi um erro não terem sido implantadas novas térmicas, desta feita à gás natural, o combustível da transição energética que vivenciamos. Térmicas não poderiam ter sido desligadas, ou mesmo não terem sido acionadas quando disponíveis, operação que poderia resultar na recuperação dos reservatórios ante a baixa hidrologia. Entretanto, do ponto de vista operacional, é admissível essa decisão tomada,não só pela pressão ambiental como também na busca pelo menor custo de geração de energia, sendo essauma constante preocupação do setor elétrico brasileiro. A realidade é que, na situação atual temos que despachar toda a capacidade térmica possível, chegando nesta segunda semana de agosto a um Custo Marginal de Operação (CMO) de 3.009/MWh, indicando que os recursos térmicos estão próximos do limite e mesmo assim se registra que os reservatórios continuam baixando os seus níveis.
Vale salientar que os reservatórios estando mais baixos, haverá menos potência hidráulica disponível e assim o país não poderá dizer que está imune a apagões e blecautes. Há possibilidade de possíveis falhas na transmissão, uma vez que, quando se busca maximizar a transferência de energia, são feitas flexibilizações e os ativos ficam mais susceptíveis a desligamentos por causa dessa operação sensível de transferência de energia.Portanto, essa crise hídrica traz um grande dilema para o governo; ou se aplica um tarifaço ou então vamos ter uma queda nos índices de crescimento econômico do país, e isso vai depender das decisões que serão tomadas de agora por diante para o combate à escassez de água nos reservatórios.Uma coisa é certa: o sistema elétrico chegará ao final de 2021 com uma grande dependência do próximo período chuvoso pois já se configura a repetição do La Niña para novembro/2021.
O governo diz que não haverá racionamento e trabalha para que isso não aconteça, justamente num ano de eleições. A MP 1055 autorizou medidas para uma eventual venda de energia no horário da ponta e uma contratação emergencial de capacidade. Outras ações estão sendo gestadas, sendo as principais o Programa de Resposta de Demanda, para consumidores industriais, e um programa de economia de energia elétrica que deve ser desencadeado pelas distribuidoras para consumidores residenciais e outros segmentos de menor porte de carga.