LEGISLAÇÃO INVASIVA – Geoberto Espírito Santo – GES Consultoria, Engenharia e Serviços.
Diante da pandemia do coronavírus, as autoridades governamentais, instituições e todos nós procuramos buscar soluções que venham a minimizar os efeitos dantescos dessa crise respiratória e, nesse afã, algumas das medidas não reconhecem os limites de suas competências institucionais, o que denominamos de Legislação Invasiva. Nesse caso, vamos aqui nos referir às distribuidoras de energia elétrica e passamos a citar abaixo várias decisões/propostas de atuação para as mesmas, que temos observado e ouvido.
Estados ou municípios suspendendo, por leis e/ou decretos, o corte no fornecimento de energia elétrica – realmente não deveria ser cortado, de forma indiscriminada, o fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento da conta de luz, mas a competência para a determinação dessa medida é do Governo Federal, no caso, da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), órgão que tem a delegação da União para regular o mercado de energia elétrica. Citamos a nossa Constituição, Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: – Inciso IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. Cabe ao Congresso Nacional aprovar as leis, o Presidente da República sancioná-las e a ANEEL regulamentá-las. Decisões de juízes nesse sentido amplo de apoio aos governos, também não têm amparo legal. Dentre outras medidas diretamente voltadas aos serviços de energia em tempo de crise, a ANEEL decidiu vedar a suspensão do fornecimento por inadimplência de unidades consumidoras por 90 dias. Talvez para prevenir que essa decisão possa resultar numa inadimplência generalizada e que, sem receita, as distribuidoras não terão como sustentar os demais serviços, deixou a orientação de que isso não impede as medidas de cobranças de débitos vencidos, previstos na legislação, inclusive a negativação dos inadimplentes em cadastros de crédito.
Descontos para os consumidores residenciais num período de 3 (três) meses – sem lei federal, é uma medida que pode ser determinada apenas pela ANEEL. Conforme citado acima, a Agência certamente a tomará, desde que haja a cobertura desses custos pelo Tesouro Nacional. Caso contrário, vai provocar um desequilíbrio econômico-financeiro da concessão por um motivo que não faz parte do risco empresarial, porque foi uma decisão do Governo Federal em tempo de crise extrema.
Suspender o pagamento das bandeiras tarifárias – mesmo argumento do item anterior. Entretanto, vale a pena aguardar mais um pouco, haja vista que a desaceleração da economia vai provocar uma baixa na demanda de energia, talvez não seja necessário usar as térmicas e, nesse caso, a adoção da bandeira verde, que não provoca acréscimo na conta de luz.
Suspender a entrega das faturas de energia feitas diretamente pelo leiturista, passando a usar o meio eletrônico – o argumento é para se evitar o contato. Talvez não seja bem assim, pois devemos, após recebimento de comida pelo delivery, correspondências pelos Correios ou outra qualquer coisa vindo de outra pessoa e do ambiente externo, lavar bem as mãos com álcool gel 70% e, preferencialmente, com água e sabão. Mas essa entrega por meio eletrônico é também de interesse das distribuidoras, pode ser uma medida de “antecipação do futuro” que elas empresarialmente podem tomar, pois reduz o seu custo operacional.
Deixar de pagar as contas de luz quando enviadas por meio eletrônico, por não ter certeza do envio/recebimento – depois que a primeira conta foi recebida por meio eletrônico, e paga, esse argumento fica sem sentido para as próximas contas.
Não realizar reajustes tarifários durante essa fase do coronavírus– as revisões e os reajustes tarifários devem ser calculados, processados e homologados pela ANEEL, mas cabe a Agência Reguladora a postergação da sua aplicação. Certamente que a diferença, entre a data de homologação e a data de aplicação, deverá ser coberta com recursos do Tesouro Nacional.
Distribuidoras tomarem medidas de caráter tributário– na conta de luz que vai para o consumidor existem recolhimentos de encargos, tributos e uma contribuição, que são destinados aos governos federal, estadual e municipal. A decisão de não cobrar, e até mesmo de não ser recolhida pela distribuidora, não é de sua competência. No caso do PIS/COFINS cabe ao Governo Federal, o ICMS aos governos estaduais e a CIP aos governos municipais. Para concessionárias de geração e transmissão, o raciocínio é o mesmo.
Decisão para as distribuidoras fecharem seus estabelecimentos de trabalho e de atendimento presencial ao público– pelo atendimento a esses determinações saudáveis dos governos estaduais e/ou municipais, existe a opção pelos meios eletrônicos. Essa decisão também foi tomada agora pela ANEEL e cabe às concessionárias discutirem com a Agência suas exposições a multas e punições contratuais porque muitos índices de qualidade do serviço, desempenho no atendimento e satisfação do consumidor poderão resultar em não cumprimento das metas fixadas.
Sobrecontratação – com a redução da atividade econômica haverá impacto para baixo, no consumo de energia. As distribuidoras adquirem o volume de energia para atenderem ao seu mercado com 5 (cinco) anos de antecedência, através dos leilões. É óbvio que o coronavírus, e seus efeitos, não foram considerados naquela época, podendo aquela compra resultar agora numa sobrecontratação. Uma sobrecontratação de até 5% pode ser repassada para a tarifa no ano seguinte, mas, em percentual superior, deve ser assumida pelos acionistas da empresa. Existem mecanismos de curto prazo na legislação, exemplo do Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD), que podem transferir essa sobra para outras com déficit. Mas, nesse caso, a sobrecontratação foi decorrente de uma razão externa aos riscos inerentes ao setor elétrico. Cabe ao MME (Ministério de Minas e Energia) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) encontrarem formas de resolver o problema, caso os existentes não sejam suficientes.
Isenção de 100% nos descontos das tarifas de energia elétrica para consumidores de baixa renda – Os efeitos do coronavírus vão impactar sobremaneira nos consumidores de energia considerados de baixa renda, que atualmente têm um desconto de até 65% sobre as tarifas praticadas para o consumo residencial. As faixas de descontos são as seguintes: a) Até 30 kWh/mês = 65%; b) De 31 a 100 kwh/mês = 40%; c) De 101 a 220 kWh/mês = 10%; d) De 220 kWh/mês em diante = zero. As concessionárias de distribuição de energia elétrica vem sofrendo pressões nos estados e no legislativo federal, dentre eles o de não pagamento das contas, um estímulo à inadimplência. Uma solução para essas pressões é dar um desconto de 100% apenas para os consumidores de baixa renda. Entretanto, a questão é como oferecer esse alento a essa faixa de consumidores, sem desorganizar o setor, no caso específico agora, a distribuição. E isso não depende das concessionárias, nem dos governos estaduais: depende do Congresso Nacional, conforme legislação em vigor. No orçamento de R$ 21,9 bilhões da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para esse ano, já estão destinados R$ 2,6 bilhões para a tarifa social. Mas para o objetivo pretendido, de oferecer 100% de desconto para os consumidores considerados de baixa renda, por três meses, ainda precisaria um adicional de R$ 1 bilhão. A articulação vem sendo feita pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) e o Ministério de Minas e Energia (MME) e a solução tem que vir por MP (Medida Provisória), o que está sendo estudada com o ministro Bento Albuquerque, mas que, até esse momento, não tem nenhuma definição.
Câmara dos Deputados continua recebendo projetos para impedir corte no fornecimento de luz e gás – Mesmo depois da decisão da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a Câmara dos Deputados já protocolou oito projetos de lei com o objetivo de impedir o corte no fornecimento de luz e gás durante a pandemia do coronavírus. Todas as propostas extrapolam os 90 (noventa) dias da resolução da ANEEL e quase todas são de parlamentares da oposição ao governo. As distribuidoras de energia elétricas estão acatando a decisão do Órgão Regulador, mas continuam reforçando a necessidade dos pagamentos da conta de luz continuarem sendo feitos e, devem adotar os mecanismos de cobrança a que se refere a resolução. Vale salientar que no caso do gás natural, essa decisão cabe aos Estados, conforme Art.25 da Constituição Federal: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição….Parágrafo 2º – Cabe aos estados explorar diretamente ou mediante concessão a empresa estatal, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado.”
Será que as procuradorias dos governos, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores não estão sendo ouvidas, ou seus pareceres não estão sendo levados em conta? Parece que está faltando mesa, de união de esforços para sairmos dessa crise, que é mundial, com os menores prejuízos possíveis e maior solidariedade humana.