Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços
“Todo imposto é ruim, por isso chama-se imposto, senão se chamaria voluntário.”
(Fernando Henrique Cardoso)
Com a fatura de energia elétrica nas mãos, podemos visualizar que é composta, em
média, das seguintes parcelas: Geração (34,5%); Transmissão (6,5%); Distribuição (20,3%);
Encargos (7,7%); PIS/COFINS (9,2%) e ICMS (21,8%). Isso sem falar nas bandeiras tarifárias,
custo que varia em função do uso das térmicas, e de 11% da COSIP (Contribuição para o
Custeio da Iluminação Pública), instituída pela Emenda Constitucional nº 39, de
19/12/2.002, de características inovadoras porque na realidade é um tributo com o nome
de contribuição.
A parcela de impostos e encargos sempre foi muito criticada nas contas de energia
elétrica, em algumas distribuidoras chegando a representar 47% quando se usa a bandeira
tarifária vermelha patamar 2. Dentre esses impostos está o ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços) e que recentemente foi alvo de alegação do presidente Jair
Bolsonaro sobre o seu peso do preço dos combustíveis. É certo que em muitos estados o
ICMS joga os preços para cima, mas pouco deles elevou a alíquota nos últimos tempos. A
questão é que, mesmo não mexendo no percentual do imposto, a arrecadação do mesmo
cresce porque com o aumento dos custos dos produtos o mesmo percentual vai fazer um
recolhimento maior. Além do mais, cresce em duas situações porque aumenta sobre o
custo do produto e, como passa a fazer parte do mesmo, aumenta também quando a
alíquota é aplicada sobre ele mesmo, ou seja, é o conhecido “cálculo por dentro”.
Tendo uma amplitude de 99% sobre os lares brasileiros, pois quase todos foram
beneficiários da universalização da energia elétrica, as distribuidoras são de grande
eficiência arrecadatória para os estados porque se o consumidor não pagar, o fornecimento
é cortado. Por outro lado, mesmo que o consumidor não pague a conta de luz, os estados
exigem que as distribuidoras recolham o imposto, mesmo não tendo sido arrecadado,
porque consideram que a conta de luz é uma Nota Fiscal e, sendo emitida, o imposto já é
devido.
Objetivando a redução dos custos com a energia elétrica, a ANEEL (Agência Nacional
de Energia Elétrica) decidiu recentemente antecipar a devolução de parte dos créditos de
PIS/COFINS, limitados a 20% da soma de valores envolvidos nas disputas judiciais. Pouco
tempo atrás, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o ICMS não pode incidir sobre o
PIS/COFINS, situação em que se pagava um imposto sobre outro imposto. Segundo a
Agência, esse é um montante da ordem de R$ 50 bilhões e deverá ser repassado em cinco
anos para aliviar um pouco o bolso do consumidor de energia elétrica.
Outra importante decisão do STF também ocorreu em relação à cobrança do ICMS na
energia. O imposto era aplicado sobre a demanda contratada de energia elétrica e a decisão
é que deve ser aplicado sobre a demanda registrada. Comparativamente, imaginem que se
cobrava um imposto pela estrada e não pela mercadoria e o serviço que por ela se
movimentava.
Agora, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional a adoção do
princípio de seletividade para a cobrança de alíquotas do ICMS para as tarifas de energia
elétrica e de serviços de telecomunicações. Apesar de não alterar as legislações estaduais, a
decisão pode ser replicada em outros processos semelhantes, utilizando-se o princípio da
jurisprudência. Desde 1996 estava no STF uma ação movida pelas Lojas Americanas contra
o governo de Santa Catarina, que estabeleceu uma alíquota de 25% para os serviços de
eletricidade e de telecomunicações, quando a média em outros produtos é de 17%. O
relator desse processo era o ministro Marco Aurélio, agora aposentado, que em 2014 já
havia decidido em seu voto e do ministro Gilmar Mendes que, em outubro do ano passado,
devolveu o processo para inclusão na pauta de julgamento.
A votação em Plenário se deu no dia 22/11/2021 e, por 8 votos a 3, com o
entendimento que a tributação vai variar para cima e para baixo em função da
essencialidade da mercadoria, dando margem para que bebidas alcoólicas e cigarros, por
exemplo, podem ser afetados por alíquotas mais elevadas, mas para os serviços de
eletricidade e telecomunicações devem variar entre 17% e 20%. Em São Paulo aplica-se
uma alíquota de 12% para o consumo residencial de até 200 kWh/mês e de 25% para
consumos superiores a 200 kWh/mês. Para os segmentos comercial, industrial, serviços e
poder público, a alíquota é de 18%. No Rio de Janeiro é cobrado 20% para os consumidores
de baixa renda e consumo até 300 kWh/mês; de 300 kWh/mês até 450 kWh/mês a alíquota
é de 31% e acima desse consumo cobra-se 32% de imposto. No Tocantins a alíquota
aplicada é de 17%. Em Alagoas, o residencial com consumo mensal até 30 kWh está isento;
na faixa de 31 kWh à 150 kWh tem uma alíquota de 17%; acima de 150 kWh de consumo
mensal paga 27% de ICMS; o comercial até 150 kWh tem uma alíquota de 17%; acima de
150 kWh/mês de consumo, é 27%; e as demais classes tem uma alíquota de 17%. Mas,
como é feito o “cálculo por dentro”, quando o imposto é calculado com ele já fazendo parte
do produto, o 17% vira 20,48% e o 27% vira 36,98%. Calcula-se que a perda para os estados
está na ordem de R$ 26,7 bilhões em arrecadação, que na realidade não é perda total
porque o consumidor vai utilizar essa economia na energia para pagar imposto em outro
tipo de produto que vai adquirir.
Esse tema surge num horizonte de muito debate sobre o alto custo das tarifas de
energia elétrica e dos preços dos combustíveis. No caso da eletricidade, a crise hídrica fez
com que fossem colocadas em operação um elevado despacho de geração térmica. Foi
criada e aplicada uma bandeira de escassez hídrica, com valores maiores do que as
anteriormente aprovadas, com reflexo no custo final da energia elétrica, o que certamente
também aumentou a arrecadação do ICMS pelos estados. Para 2022 a ANEEL já sinalizou
que os aumentos médios das tarifas estão na ordem de 21% e, no caso dos combustíveis, a
influência dos preços internacionais do petróleo e alta cotação do dólar certamente farão a
Petrobras, principal produtora de gasolina e de óleo diesel, elevar os preços nas refinarias.
Como na maioria dos estados os pequenos consumidores são, praticamente, isentos
de ICMS, a decisão do STF vai beneficiar as empresas e as residências de consumo mais alto.
A decisão superior ainda não tem data para vigorar porque depende ainda de outros fatores
como os julgamentos de ações com o mesmo objetivo, ações individuais ou mesmo de Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Vão chover processos e muitas empresas já entraram
com ações que buscam reaver os pagamentos dessas cobranças inconstitucionais nos
últimos cinco anos. Espera-se também que as empresas que costumam repassar a alta de
impostos para os preços dos seus produtos, venham também a reduzi-los por conta do
imposto menor.
Geoberto Espírito
Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços