Geoberto Espírito Santo – GES Consultoria, Engenharia e Serviços
As reuniões semanais da Diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) são públicas e transmitidas ao vivo,quando a sociedade pode tomar conhecimento dos assuntos que ali são discutidos, avaliando o alinhamento ou diferentes pontos de vista dos diretores sobre determinado tema a ser regulado ou analisado.Na última reunião, ficou patente que a ANEEL está preocupada com as tarifas de energia elétrica no país. Vale salientar que quando falamos em tarifa, estamos nos referindo aos consumidores do ACR (Ambiente de Contratação Regulado), os consumidores cativos das distribuidoras de energia elétrica. No ACL (Ambiente de Contratação Livre), não existem tarifas, os preços são acertados bilateralmente entre fornecedor e consumidor no chamado mercado livre de energia elétrica. Estudo da ABRACE (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia Elétrica e de Consumidores Livres), mostra que, em 2020, os brasileiros pagaram, além do valor do consumo da energia,mais R$ 102 bilhões em encargos, taxas, subsídios e impostos embutidos na conta de luz.
Nos estudos feitos pelo corpo técnico da Agência e por consultoria especializada, as estimativas do reajuste médio nas tarifas para 2021 está em 13%, sendo de 15% na Região Norte, pressionado por vários fatores do ponto de vista operacional: a) resposta inadequada dos reservatórios, pois apesar de estarmos no período molhado (novembro a abril), as afluências estão abaixo do esperado e nos últimos dois meses foram de 70% da MLT (Média de Longo Termo); b) as transferências do excesso de energia gerada em uma região para outra, conhecido como MRE (Movimento de Realocação de Energia), têm suas limitações pela capacidade de transporte das linhas de transmissão; c) com a entrada no sistema, cada vez mais, de fontes intermitentes (eólica e solar), as hidrelétricas funcionam como uma grande bateria para assegurar geração de energia nas 24 horas do dia, todos os dias; d) sem a resposta adequada das hidrelétricas, as térmicas mais baratas precisam ser ligadas, o que aumenta o custo da geração, que é repassado para os consumidores através do sistema de bandeiras (amarela, vermelha patamar 1 e vermelha patamar 2); e) as térmicas funcionando mais do que o previsto em suas especificaçõestécnicas de operação ficam indisponíveis, ou pela necessidade de antecipar a manutenção, ou por defeito; f) com a indisponibilidade das térmicas mais baratas, são autorizadas a entrar em operação as térmicas mais caras; g) ao final de 2020, com os reservatórios muito baixos na Região Sul do país, tivemos que importar eletricidade da Argentina e do Uruguai, quando foi acionado o critério de segurança energética do país.
Do ponto de vista regulatório, temos alguns fatores que também pressionam as tarifas de energia elétrica: a) à partir de março, quando começar a serem concedidos os reajustes tarifários das distribuidoras, vai pesar no cálculo o pagamento mensal de R$ 429 milhões referentes ao empréstimo de R$ 14,8 bilhões da chamada Conta Covid, operação de crédito contratada pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) com um pool de bancos para ajudar no caixa das companhias durante a pandemia, cuja última prestação está prevista para dezembro de 2025; b) orçamento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para 2021 previsto em R$ 24,1 bilhões, que são rateados entre os consumidores do mercado regulado, valor que pode ser reduzidoa depender da sansão presidencial para o texto da MP 998/2020 que foi recentemente aprovado pelo Congresso Nacional.
Nessa reunião, a discussão dos diretores da ANEEL foi sobre as alternativas de redução dos impactos tarifários desse montante de dois dígitos, justamente num momento em que os cidadãos brasileiros e empresas enfrentam problemas financeiros por causa da pandemia do novo coronavírus que deve se arrastar, pelo menos, até o primeiro semestre desse ano. Por outro lado, a União está com suas contas bastante debilitadas, nos mais altos patamares da dívida pública, dificultando o subsídio para suas políticas.
A MP 998/2020, passou a ser chamada de MP do Consumidor porque além de tratar da modicidade tarifária, encaminha vários temas de conteúdo essencialmente técnico, que por sinal foram discutidos por mais de dois anos com os agentes do setor, relativos à modernização do setor elétrico brasileiro. Uma MP (Medida Provisória), que tem força de lei, tem um prazo de validade de 60 dias, podendo ser prorrogada pelo mesmo período e,não votada em 45 dias, tranca a pauta na Casa Legislativa onde se encontra, podendo também caducar. Talvez pela pressa, felizmente, não foram inseridos os famosos “jabutis”, aquelas emendas parlamentares de interesse próprio que nada tem a ver com o objetivo da proposta original.
O textoda MP 998/2020 aprovado pelo Congresso Nacional, que aguarda sansão presidencial e sua conversão em lei, desarma uma bomba tarifária haja vista que a manutenção da atual trajetória implicaria em impactos cumulativos e crescentes para os consumidores no futuro. Delepodemos pinçar alguns artigos que podem aliviar o bolso dos consumidores que pagam tarifas no consumo de energia elétrica. I) destinação dos recursos não contratados dos programas de Pesquisa & Desenvolvimento e de Eficiência Energética e de 30% dos futuros para reduzir o peso do empréstimo da Conta Covid até 2025; II) gradual retirada dos subsídios concedidos a empreendimentos de fontes incentivadas (eólica, solar e biomassa) na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) que são de 50%, custam atualmente R$ 4,2 bilhões por ano e tenderia a crescer 33% anualmente; IV) possibilidade do estabelecimento de mecanismo voluntário e competitivo de descontratação ou redução da energia nos contratos regulados, que evitaria a sobrecontratação que é repassada para os consumidores no ciclo tarifário posterior; V) contratação de novas usinas para atendimento das necessidades de potência no Sistema Interligado Nacional (SIN), com seus custos rateados por todos os consumidores (mercado regulado, mercado livre e autoprodutores) e não apenas pelo mercado regulado, como é atualmente; VI) a não contratação da energia nuclear de Angra 3 como reserva, e sim como lastro para a carga.
Uma outra maneira de aliviar os reajustes esse ano é o diferimento de alguns pagamentos a empresas de transmissão. Foi também debatido de que forma as distribuidoras devem fazer a devolução aos consumidores de RS 50,1 bilhões pagos a mais em PIS/COFINS (impostos federais) inflados com a incidência do ICMS (encargo estadual), que o STF (Supremo Tribunal Federal), em 15 de março de 2017, já teve entendimento que as cobranças eram irregulares. A ideia da ANEEL é a devolução, via tarifa, em cinco anos, ou seja, utilizar R$ 10 bilhões por ano para reduzir os impactos nos reajustes tarifários, assunto que, por sinal, foi colocado em Consulta Pública, quando se espera receber contribuições de como melhor procederpara que o objetivo seja alcançado.
Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços